sábado, 20 de março de 2010

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daqui

A minha praia do meu Furadouro está a perder parte significativa do seu areal e com ele se perderia um rosário de infindáveis memórias de menina-criança, menina-rebelde e menina-mulher não fossem essas imagens, ainda tão vivas em mim, parte integrante da pessoa que hoje sou.
Aqui passei os melhores de todos os verões.
Aqui ri até chorar e chorei até não ter mais lágrimas.
Aqui fiz amizades para a vida e deixei que a vida, ela própria, desse conta de alguns amigos da onça.
Para aqui fugi atrás de fortuna e bem-aventurança para encontrar apenas uma felicidade fugaz.
Aqui cometi todos os excessos de verão e aqui me recolhi dos estilhaços cometidos noutras estações do ano e noutras estações de vida.
Aqui ganhei couraça para proteger a brandura que escondi, escondo e esconderei.
Aqui construí os mais belos e imponentes castelos de areia que se desfizeram [quase todos] mas que eu, em segredo, sempre volto para os reconstruir. Cada vez mais belos, plenos de grandiosidade.
Aqui estabeleço metas, traço planos, defino estratégias.
Aqui vê-se a bola, há finos e há tremoços.
Aqui há sempre os gelados todos.
Aqui há lanches de batatas fritas só porque sim.
Aqui o pôr-do-sol é servido em copo alto e muitos copos de pôr-do-sol é coisa para cair mal.
Aqui há gente que me diz alguma coisa e a quem eu conto todas as minhas coisas.
Aqui há nevoeiro pela manhã, nortada pela tarde e calor à noite.
Aqui fazem-se piscinas na avenida.
Aqui nenhum coreto me escapa e os palcos são todos meus também.
Aqui ir ver os pescadores é sempre uma metáfora.
Aqui a praia não é só praia.
Aqui há mais noite do que dia.
Aqui ando sempre despenteada.
Aqui há calor e luz.
Aqui o mar é mais salgado.
É aqui que céu e mar se fundem no horizonte.
Aqui lancei a rede ao mar. Uma vez. E outra. E outra.
Aqui desisto e aqui volto a tentar.
Aqui cheira a maresia. E é o cheiro do mar que levo comigo nos cabelos, na roupa e no olhar.
Aqui a bandeira vermelha é mais gasta do que todas as outras.
Aqui às noites agrestes nem sempre sucedem manhãs tristes.
Daqui vê-se o mar e além mar.
Aqui não há fronteiras.
Aqui não há limite.
Daqui vê-se a vida que vai e a vida que vem.

4 comentários:

Random Blogger disse...

nem me digas nada :\ por aqui estamos com o mesmo problema...não faço ideia como será daqui a uns anos...

Menos disse...

Eu só espero que até ao verão volte tudo ao habitual. Senão não será verão :(

Rachelet disse...

Olha que texto tão bonito. Já mal me lembro da praia do Furadouro, mas parecia tão vasta, tão imensa...!

Menos disse...

Obrigada :) Foi escrito de uma penada com inspiração na vida real, ela própria, e no areal que era de facto bem vasto.